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Postado por Ótica Revista

Erro em um produto ou serviço, como resolver?

por Prof. Alex Dias

Quando pensamos no atendimento e nas reclamações surgem uma série de perguntas relativas sobre quais são os critérios que definem se há um erro no produto ou serviço oferecido. Afinal os produtos ópticos fazem parte de uma cadeia produtiva onde somos clientes e fornecedores: toda loja é cliente de um laboratório e fornecedora para o cliente final.

Podemos então perguntar:

  • Como cliente: quando devolver um produto e solicitar sua correção?
  • Como fornecedor:  como mostrar que o produto atende ao que foi solicitado?
  • Se o produto ou serviço causou um prejuízo, com base em que informações analisar o problema?

Vamos falar um pouco sobre o conceito de qualidade: O que é qualidade para você, para seu cliente ou de um produto ou de um serviço? Por incrível que pareça o conceito de qualidade depende de qual será a utilização do produto ou do serviço prestado.  Muitos consideram qualidade como durabilidade de um produto, mas não é só isso.

Refletindo sobre a qualidade

Um exemplo simples de qualidade pode ser verificado pela busca do café da manhã em uma cafeteria onde esperamos que o atendimento será sempre da mesma forma, com os produtos e serviço de acordo com os nossos desejos, onde sempre encontraremos as mesmas condições, a temperatura dos salgados, o sabor do café oferecido, a atenção oferecida pelo profissional, o ambiente confortável, entre outros detalhes. Significa que o estabelecimento possui um critério de qualidade que nos atende. Porém certamente a cafeteria terá que obedecer à outras regras das quais eventualmente nem sempre percebemos, como a higiene dos ambientes não vistos pelo consumidor e a forma como a comida foi manipulada, além outras exigências. Estes são alguns principais aspectos da qualidade: a constância das características e segurança do produto e serviço oferecido.

Figura – Máquina para teste de resistência de armação para óculos segundo a Norma ABNT ISO 12870. Fonte: http://www.lab-testequipment.com/Spectacle-Frame-Endurance-Tester.html

Qualidade em geral envolve uma relação custo-benefício equilibrada, atendendo a necessidade do consumidor e do fornecedor. Certamente podemos ver que se torna algo que pode ser muito subjetivo. Nem todos podem ter a mesma opinião. Muitas vezes é necessário criar um critério de qualidade que atenda a maioria das pessoas e garanta o conforto e a segurança para elas.

É importante o atendimento das expectativas ou desejos do cliente, mas também de necessidades das quais ele não se dá conta, mas que garantem o conforto e a segurança do que foi oferecido.

Quando eu entrei no ramo óptico há 22 anos atrás, voltando para o comércio óptico após 15 anos na área da indústria, foi justamente o que encontrei: a falta de critérios para definir se um serviço estava certo ou errado, com cada profissional com um critério próprio, enquanto no mercado internacional as Normas Técnicas já eram largamente empregadas na área de óptica para definir as características dos produtos oferecidos.

Quem elabora as Normas Técnicas?

No mundo existem diversas instituições que se preocupam em desenvolver documentos com os critérios que orientam a forma de garantir a qualidade dos produtos e serviços, são as Normas Técnicas. Dentre outras instituições podemos citar algumas famosas: na Alemanha temos a DIN (Instituto Alemão de Normalização), nos Estados Unidos a ANSI (Instituto Americano de Normas Nacionais), no Japão a JIS (Normas Industriais Japonesas) e, de caráter internacional, a ISO (Organização Internacional de Normas). No Brasil temos a ABNT (Associação Nacional de Normas Técnicas). Todo país possui uma instituição responsável pela implantação e controle das Normas Técnicas que devem ser respeitadas em seu território. A maioria busca sua referência nas Normas ISO.

Nem sempre os critérios de uma Norma Técnica para um determinado produto ou serviço são iguais para todas as instituições, mas são pelo menos muito semelhantes com pequenas diferenças. Por conta destas diferenças a ISO, que é uma instituição internacional, busca reuni-los em um documento, uma Norma Técnica, que exprima uma concordância mundial de atendimento a um determinado assunto, respeitando as necessidades da globalização e do comércio internacional. No ramo óptico adotamos as Normas ISO, traduzidas pela ABNT, como guia para garantir a qualidade da maioria de nossos produtos e serviços. O mesmo ocorre em outras áreas da indústria e comércio.

Algumas vezes, na ISO, junto com as Normas Técnicas, surgem os Relatórios Técnicos que buscam dar uma explicação adicional a algum assunto tratado em alguma Norma Técnica e as Práticas Recomendadas, onde podemos destacar a Prática Recomendada “ABNT PR 1004-2:2020 – Operação segura em organizações durante situações de pandemia – Parte 2: Requisitos e recomendações Técnicas para o setor óptico” que definiu a forma de trabalho na cadeia produtiva do ramo óptico durante a pandemia. Tudo isto exige a reunião de muitos representantes da sociedade, pessoas, profissionais especializados e empresas que fazem uma contribuição voluntária de seu tempo para atingir os objetivos.

Alguns criticam o porquê de eventualmente traduzir as Normas Técnicas internacionais e não criarmos as nossas próprias Normas, mas infelizmente isto ocorre pela pouca influência e representatividade que nosso país possui no cenário mundial, tornando difícil impor um critério de qualidade nosso para o mundo dentro do atual cenário de globalização.

Eventualmente, para alguns assuntos específicos, nossos especialistas desenvolvem Normas Técnicas para atender às necessidades do mercado nacional. O esforço para construir uma Norma Técnica é grande e exige uma concordância nacional, embasamento técnico, científico, financeiro e comercial, com análise dos reflexos internacionais gerados pela sua proposição.

Sempre que uma Norma é elaborada ou revisada ela passa por processo de consulta pública por um período e fica disponível para que qualquer pessoa física ou jurídica faça seu questionamento relativo aos critérios propostos pela Norma Técnica. Se houver dúvida a pessoa registra seu questionamento e sua reclamação será analisada em uma ou mais reuniões abertas a todos interessados antes antes da sua publicação final. Dependendo do questionamento é necessário justificar a reclamação através de argumentos técnicos bem fundamentados, não basta dizer que não concorda.

Infelizmente é muito comum encontrar profissionais que não concordam em atender à determinadas especificações impostas pelas Normas Técnicas.  Um caso comum são as instalações elétricas residenciais e comerciais, onde existem muitos profissionais que simplesmente “fazem a coisa funcionar” e o cliente fica muito tempo se ter noção do perigo que está correndo até sofrer uma perda muito grande como um incêndio ou a queima de equipamentos, sem ter para quem reclamar, pois a instalação não respeitava a norma ABNT NBR 5410, sobre instalações elétricas, baseada nas normas internacionais da IEC, Comissão Eletromecânica Internacional.

Em nosso ramo o desrespeito aos critérios de uma Norma Técnica pode gerar problemas sem que o usuário perceba que o produto oferecido foi a causa. Como exemplo podemos citar os erros em tomadas de medidas, na montagem incorreta dos óculos e os erros de fabricação de lentes dentre outros problemas, com consequências na qualidade de vida do usuário e acompanhada da popular frase: “Você se acostuma”.

Norma Técnica não é lei

É importante entender que Norma Técnica não é lei, seu cumprimento não é obrigatório, mas podem existir leis que obriguem que produtos e serviços atendam às Normas Técnicas. Existem projetos de lei com o objetivo de tornar obrigatória a venda de produtos certificados por Norma Técnica no ramo óptico. Até a data deste artigo o principal projeto é o substitutivo da Câmara dos Deputados n° 7, de 2017, ao Projeto de Lei do Senado nº 512, de 2003, em tramitação na CAS – Comissão de Assuntos Sociais.

Em geral, a obediência ocorre na medida que uma Norma Técnica vai ganhando respeito no mercado, se tornando um diferencial e praticamente uma obrigação e as empresas que não a respeitarem perdem a confiança do público e não conseguem mais vender seus produtos.

No ramo óptico brasileiro os fabricantes mais conceituados de lentes oftálmicas, para óculos ou lentes de contato, e armações para óculos,

normalmente definem parâmetros melhores que os exigidos das Normas Técnicas vigentes, ou seja, vão além do que é exigido pela norma, o que é um ponto positivo em nosso mercado.

Na ABNT o responsável pelos produtos ópticos é o Comitê Brasileiro 49, CB49, que acompanha e propõe as Normas Técnicas para o mercado nacional, em um trabalho voluntário e intenso de profissionais especializados da área para a atualização das normas.

A partir dos próximos artigos farei uma síntese das Normas Técnicas mais importantes do setor óptico brasileiro explicando seus detalhes principais, sua aplicação na rotina da indústria e do comércio de produtos ópticos e comparando com algumas normas de outros países. Vamos começar pelos testes pelos quais uma armação para óculos deve passar segundo as Normas Técnicas.

Finalmente, precisamos ficar alertas para a implantação e interpretação das normas não gere obrigações descabidas para os empreendedores do ramo óptico.

Bons negócios a todos.

Prof. Alex Dias